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"AFRODITE A MORTE E A FESTA
Dava as 08:00’h e o povo tomava conta dos derredores. Escutavam-se a batucada. O samba “comia no centro”! Os tradicionais sambas de roda reviviam, mais jovens do que nunca, e concorriam com as bandas que tocavam todo tipo de música. Em alguns momentos tudo se confundia: as músicas, as vozes, os louvores, porque, a Lavagem do Bonfim, é uma festa religiosa, dos candomblés, dos cristãos, de tudo quanto é gente! Oxalá, Jesus, e os Jegues, as danças, as músicas e a fé, faziam uma multidão caminhar cerca de oito quilômetros, sob o extenuante sol do verão baiano, e ainda, cantar, dançar, e dizer alegremente: “_Quem tem fé, vai a pé!”.
As 08:30’h, Afro foi até o quarto de Rosa. Abriu a porta e sorriu terno, pois, emanava uma paz incrível do ambiente. Das janelas arcadas entrava uma brisa fresquinha, adornada por uma claridade suave, domada pelas cortinas transparentes. A moça olhou longamente o quarto da mãe, caminhou até a janela e olhou a Baixa do Bonfim, o mundão de gente, andando, conversando. Outras, dançando, outras comendo e bebendo, pândegas! Tanta vida! A moça sorriu aliviada, sentou-se na cadeira rococó, que ficava em frente à penteadeira, repleta de perfumes, e maquiagem, pois Rosa sempre foi muito vaidosa, e arrumou-se. Limpou o rosto. Passou pó e batom. Depois, penteou cuidadosamente os cabelos enormes, como os da mãe, mas, muito crespos, diferente dos cabelos lisos de Rosa, e saiu, bela e trigueira, para entregar a Mãe à Terra.
Vivaldão sorriu e a
abraçou, dizendo: “_Isso filha! Sua mãe ia gostar de lhe ver
desse jeito! Como lhe ensinou!”. Depois a soltou suave, e instruiu
os jovens marinheiros a carregarem o caixão e ajeitar no carro
cedido pela Marinha, pois Rosa era viúva de um oficial, e amiga de
outro. Lá foram as freiras, companheiras de caridade de Rosa, há
anos, pois, logo depois que o marido faleceu, ela tornou-se
voluntária nas obras de assistência aos pobres, criadas pela Santa
Irmã Dulce. Apesar das ruas principais estarem barulhentas e tomadas
de gente, descendo a Rua Afonso Barbuda, dava para chegar a ruas
menores, alcançar a Boa Viagem, até chegar à simpática orla da
Ribeira, com suas pitorescas embarcações ancoradas, e de lá,
passar por Roma e Mares, e escapar por uma das ruazinhas da Calçada,
subir a Baixa do Fiscal, muito engarrafada, por sinal! Alcançar a
Estrada da Liberdade, vencida a custo, pois, a Cidade de Salvador tem
muitas áreas de escapes, para quem anda a pé, e o povo as tomava,
para ir ao Bonfim. (...)".