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AFRODITE A MORTE E A FESTA 

 

 Era quinta-feira. Do alto do Bonfim, os sons faziam-se presentes desde muito cedo. Cerca de 04:30’h, já escutavam-se o burburinho em torno da Igreja. Sempre, na segunda quinta-feira do mês de janeiro, depois do dia do Santo Reis, acontecia a Lavagem do Bonfim. Isso há mais de duzentos anos...  Como então ter “direito” a morrer nesse dia de festa? Mas, na sexta casa, à esquerda de quem sobe a ladeira que conduz à Colina Sagrada, na Rua Afonso Barbuda, estava Afrodite, junto ao caixão de sua mãe, sentindo-se uma pessoa solitária e má.

Os curiosos transeuntes, quando em vez, olhavam de soslaio para dentro da casa amarela, e viam o esquife marrom e luzidio. Alguns diziam: “_Senhor do Bonfim que guarde sua alma!”. Outros se benziam, “cuspindo” fora: “_Deus é mais!”. Simples e seco, enquanto viravam o rosto da cena triste, e apressavam os passos para alcançarem a Igreja e os festejos ainda iniciais.

Afro completara 20 aninhos  há dois meses atrás. Comemorou, com suas amigas, a bolsa de estudos que ganhou para estudar na França.  Ainda conseguiu aproveitar umas duas semanas, antes da mãe adoecer, para preparar a viagem, as roupas quentes, pois, se na Bahia era verão, na Europa o inverno estava terrível. De certo modo, para ela, estudar fora era uma forma de se afastar de toda responsabilidade que a bondosa Rosa lhe impôs. Ficou viúva cerca de 15 anos atrás, e preferiu devotar-se à memória do marido... E olha que Rosa era bonitona. Dotada de um corpanzil tradicionalmente renascentista, arredondado e suculento, pois, tivera a sorte de, nessa terra, a genética favorecer as mulheres com umas belas bundas.

Bem, Rosa não se aproveitou de seus “dotes” feminis, para “dor” de alguns conhecidos de Jacinto, o finado marido, os quais, mal esperaram o corpo “esfriar”, e já no Campo Santo, enquanto Jacinto estava sendo enterrado, trataram de oferecer os préstimos à formosa e gostosa Rosa.  Ela enviuvou no auge dos seus 25 anos. A pele estava boa, as coxas grossas, o cabelão negro e chamativo, que parecia uma mata extensa, na qual, os “solidários” amigos do Falecido, queriam se perder... Foi em vão, tentaram exaustivamente por 5 anos, entretanto, foram desistindo aos poucos, um por um. Trataram de encontrar, coxas menos chamativas, porém, não menos sedutoras, afinal, a vida continua sempre. Todos, menos um: Vivaldo, um negão sinuoso, alto, de ombros e sorriso largos, um vivaldino, já no prenúncio da terceira idade, que na juventude, assombrava os bairros de Roma, Uruguai, e adjacências. Um mulherengo e desordeiro, que somente amansou, quando o pai, esgotadíssimo, obrigou-o a entrar na Marinha. Aliás, foi lá que conheceu e tornou-se amigo de Jacinto.

Enfim, Vivaldão, nutriu sentimentos por Rosa, desde quando retornou a Salvador, quase vinte e um anos depois de partir, e visitou, pela primeira vez, o sacrossanto lar do amigo. Desde então, nunca mais perdeu um almoço dominical na casa da jovem e dedicada mulher com nome de flor. Ou melhor, na casa do amigão Jacinto. Mas, Vivaldo fez por merecer a confiança total do casal, sempre esteve junto àquela família, também nos piores momentos. Inclusive agora. Enquanto praticamente todos se foram com o passar dos anos, lá estava Vivaldo consolando a moça. Sempre se entenderam, desde quando ela era uma criança sapeca, que parecia gostar mais dele, do que de Jacinto, seu pai.

A filha chorava inconsolável desde a noite anterior, quando viu as prestativas freiras de Irmã Dulce lavar o corpo da mãe, vestir, e arrumar no caixão de luxo, escolhido delicadamente por Vivaldo. Enquanto deitavam o corpo de Rosa, e o ornamentava com flores, ela teve certeza de que estava sozinha no mundo, mas também, livre de tudo! Pela primeira vez, em toda sua jovem existência, Afrodite podia ir aonde quisesse, fazer o que quisesse, sem ter nenhum peso sobre si. Eis porque se considerava má: A morte da mãe a libertou...   (continua...).

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ângela frança de brito. salvador-bahia-brasil, 23/01/2021.